Carta para meu pai
Uma homenagem ao meu pai, celebrando sua simplicidade, sabedoria e legado de amor pela arte, música e natureza, que continuam a me inspirar eternamente.
O efêmero nos assusta, mas qual seria a graça da vida se o mundo não fosse assim?
Se as alamedas de um jardim fossem sempre sem fim?
Tudo certo e previsível?
– Não,
- A vida não é assim. E que nunca foi, não é José Pedro? Para você a vida sempre foi diferente, como também, percebi a forma singular, pelo qual andou pela vida.
Quando eu nasci você já vivia em dissonância do mundo, estava em Niagara Falls, lá do Canadá e me mandou um telegrama que hoje diz muito do seu temperamento: “Welcome Baby”, foi o que escreveu para mim e para mamãe.
E foi assim que começou a nossa história quando eu disse – “Hello, Papai”. Dentro do berço senti, sim, você beijar meus pezinhos.
Antes de 1972, pelo que sei, o Japão, a China e a Alemanha, já tinham recebido a sua visita.
Dai para frente, eu quero sair do script, do esperado ( quem foi você, o que fez, seus títulos, suas obras, seu legado para Minas Gerais e questões de energia x engenharia) e sendo sua primogênita trazer você para outro cenário. Quero emoldurar essa homenagem noutro lugar.
E escolhi enquadrar sua vida, essa liberdade extraordinária, essa dignidade clássica, num quadro do Bracher, na minha visão, pintado só para você, bem perto das águas mansas da Urca. Lá onde assistíamos em dimensões infinitas o Rio, acontecendo bem ao redor da Baia de Guanabara. Acrescento que não há nada mais bonito nessa vida do que um barco a vela e o por do sol visto da Urca, local escolhido para pintar você com guache, em cima das pedras e em face do mar.
Essa é a aquarela da ternura desse momento, onde juntos sentimos a máxima do poeta que disse “sentir é estar distraído”.
Nesse momento, não quero acasos, quero a consistência da sua biografia que sempre caminhou ao lado do amor e das coisas que sempre gostou, música, pintura, jardins e poesia. E do o amor que destinou a mamae e aos meus tres irmaos, todos nos, lhes somos gratos pela dadva de ter convivido com você.
Eu tive sorte de te ver muitas vezes ao piano, perto de livros e bichos. Essa predileção por tudo que toca ao coração e acrescento também as jabuticabeiras, borboletas e rios. Uma vida simples, sem a vaidade dos homens de terno, essa é a marca que repousa na sua memória.
O Bracher tinha razão você não é um cara para páginas ou cartas de amor você tem a consistência do óleo sobre tela. E uma tela “cheia de bossa”, cheia de cores simpáticas, e muitos tons de azul onde o pintor que pode fugir da escrita automática, conseguiu-se retratar uma tarde sua, e os pensamentos seus, o início do crepúsculo e os morros já dourados.
Eu tive a sorte de nascer sua filha e poder junto com meus irmãos, ouvir Beatriz e de “não andar com os pés no chão”. Esse foi um lugar de possibilidades infinitas, derivadas de seu caráter, criatividade, cultura e humanidade.
Quem é que ia ensinar que o melhor livro do mundo é Memórias de Adriano? Que é preciso ir à ópera muitas vezes, que Carlos Drummond de Andrade e Milton Nascimento tem tudo em comum. E que o campo é sempre mais sincero que as cidades?
Ensinou-me ainda que qualquer homem que tenha dotes intelectuais deve sempre ter perto de si, um menos dotado e mais puro. Que é preciso ter fé.
Com você tudo era diferente e a vida nunca era chata. O dia era cheio de esperança e a coragem que abasteceu a nossa vida para muito além de muitos livros, proza, ensinamentos, que estarão para sempre na nossa alma.
Todos esses tesouros estão guardados no fundo do mar. E nada. Nada, nada, nada de escavar o fundo do mar, isso frusta o nosso objetivo, porque as belezas são cheias de invólucros e como a “viagem do amor que não volta, me fazem sonhar do mais fundo da minha poesia”.
Milton Nascimento diz que é pra você mandar notícias do mundo de lá, e que a vida é mesmo assim: "O trem que chega é o mesmo trem da partida e a hora do encontro é também a hora da despedida."
Nesse mundo tecnológico e abstrato queria te postar dentro dessa tela, na Urca, bem pertinho de conchas e barquinhos, vento e por do sol.
Todas as vezes que olhar o quadro ou for a Urca, tudo será a visão do seu legado, de seus pensamentos, de suas idéias fora das retas como plantou o Burle, dos peixes, das mil e duas vezes que você repetiu que os "pescadores são os homens mais interessantes do mundo, que o melhor copo é que se bebe com os amigos mais simples e que o espaço é a memória dos poetas."
Claro digo de pronto, que sua ousadia e impressões, podem ter sido herdadas de seu pai, o velho, Paulino Rodrigues de Oliveira, jornalista da Tribuna, em Juiz de Fora, que ao contrário, por ser cronista, disse não ter repertório para poesia.
Isso me faz divertir, à larga, porque você era um poeta tão bem humorado, que me disse certa vez, que essa fisionomia não facilitava os amores e nem tão pouco impressões artísticas mais livres!!! Que maravilha!
Seja pela concurso de outras circunstâncias, você guardou em seu peito o poeta e drenou no piano, em conexão, tudo aquilo que suscitava voz para seus , muitos sentimentos.
Vou me radicar aqui nesse mar, na Urca, que estarão ligados para sempre a minha vida.
Homens diferentes precisam de grandes cidades: Juiz de Fora, Belo Horizonte e Rio de Janeiro. Graças à Deus que a eletricidade te levou da “Companhia Força e Luz” para a Cemig, para as Secretarias de Estado, e para Furnas e de Furnas para Urca e da Urca para o "colour-blind" de uma parte de sua vida.
É hora de dizer adeus?
Não quero. Não quero e não quero.
Pais não morrem: ficam encantados.
Por isso, cheia da sua graça, sinto em mim a extraordinária vontade de dizer que te amo, e que o vínculo industrutível de minha filiação, me levará à gratidão, à honra e alegria de possuir um bom pai e pelo bem profundo que me rodeia, quero que partas daí para o infinito; nesse mar, nesses morros, nesses barcos e da Urca, para o céu.